As indústrias de private equity e venture capital deram bons sinais de recuperação no Brasil no ano passado, após a forte ressaca enfrentada depois do boom de 2021.
Mas para a roda realmente começar a girar, estimulando a alocação de capital em fundos e companhias investidas, serão necessárias duas condições, segundo Priscila Rodrigues, presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap): a queda dos juros e o aumento das saídas de investimentos.
Considerando o ritmo sinalizado pelo Banco Central (BC) para afrouxar a política monetária, uma retomada mais robusta da indústria só deve ocorrer a partir de 2027.
“O que poderia ter impulsionado um crescimento maior em 2025, expectativa que fica para 2026, mas acredito que de fato ocorra talvez mais para 2027, é a redução dos juros”, diz Rodrigues, em entrevista ao NeoFeed.
Ela destaca que 2025 caminha para fechar com saldo positivo. Dados recentes da Abvcap mostram que os investimentos de private equity alcançaram R$ 15,9 bilhões até o terceiro trimestre, em 51 transações. Os números já superam os de todo 2024 – R$ 13,3 bilhões em 72 acordos.
No venture capital, a cifra acumulada de R$ 4,6 bilhões representa metade dos R$ 9,2 bilhões aportados em 2024. Os R$ 2,1 bilhões registrados no terceiro trimestre marcam o maior volume trimestral de 2025 e um salto de 23,5% sobre igual período do ano anterior.
Ainda que o BC sinalize início do corte de juros em 2026, o ritmo será menor do que o necessário para que private equity e venture capital cresçam mais intensamente.
Segundo Rodrigues, o corte da Selic é o catalisador essencial para estimular saídas e retornar recursos aos investidores. Esse movimento é fundamental para que os fundos captem novos recursos e invistam em novas empresas.
“Os volumes de saídas continuam baixos por conta do ambiente de alta de juros. Isso tende a trazer valuation para baixo. Gestores com bons ativos no portfólio entendem que não é a hora de sair”, afirma Rodrigues. “Com saídas mais tímidas, os fundraising ficam mais complicados.”
A falta de recursos ocorre em um momento em que o País apresenta um “oceano azul” de oportunidades, com muitas empresas de qualidade enfrentando dificuldades para captar, segundo a presidente da Abvcap.
Quem deve “nadar de braçada” é a infraestrutura, com gestores de private equity atentos à demanda por energia impulsionada por temas como data centers e inteligência artificial (IA).
No venture capital, o interesse segue em áreas como fintech, agritech e logística, mas muitos gestores também começam a olhar para companhias que incorporam IA em seu dia a dia.
Já os fundos de distressed assets, subclasse de private equity, devem continuar em alta em 2026. “O distressed tem ganhado muita força, com fundos exclusivos e dedicados captando com mais facilidade”, afirma.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Como foi 2025 para o private equity e para o venture capital?
Depois da desaceleração na indústria de private equity e venture capital no pós-pandemia, em 2024 surgiu uma expectativa de crescimento. E continuamos vendo isso em 2025, com gestores fazendo diligências e encontrando algumas oportunidades de investimento. O mercado foi positivo para quem tinha capital, com preços atrativos e boas oportunidades, tanto em venture capital quanto em private equity. Quem tinha dinheiro conseguiu selecionar ativos interessantes.
Como foi a dinâmica em cada área?
Em venture capital, temos visto há algum tempo rodadas menores. Aqueles rounds grandes que ocorreram entre 2020 e 2021 diminuíram de tamanho e continuam nesses patamares, o que mostra amadurecimento da indústria. Também houve maior diligência das investidas na utilização de recursos, já que o dinheiro ficou escasso. Depois do vale em 2022 e 2023, vimos retomada em 2024, que continuou em 2025.
Priscila Rodrigues, presidente da Abvcap
E no private equity?
Os números mostram impressão de menor volume de dinheiro na indústria. O número de transações ficou mais próximo do histórico, mas o volume não. Isso porque estamos em um momento de valuations mais baixos, fazendo com que muitas transações não divulguem o tamanho dos cheques, para não passar a sensação de que o vendedor está se desfazendo da companhia. Em momentos de valuations tímidos, muitas operações não têm valores revelados. Parece que o tíquete médio caiu, mas é porque os valores não foram divulgados.
O que segurou o volume de transações? O que precisa acontecer para vermos aumento em 2026?
O que poderia ter impulsionado crescimento maior em 2025, expectativa que fica para 2026, mas que talvez ocorra mais em 2027, é a redução dos juros. A queda dos juros favorece a alocação de capital. As companhias anunciam mais planos de investimento e buscam alternativas de financiamento. O cenário foi positivo para distressed assets, que registrou várias transações de reestruturação.
Como ficou a questão das saídas?
Não vimos muitas em 2025 e há expectativa maior para 2026. Os volumes continuam baixos por conta da alta de juros, que pressiona valuations. Gestores com bons ativos entendem que não é hora de sair. Houve transações pontuais, mas ainda há estoque grande para completar o ciclo. 2025 foi melhor que 2024, mas a expectativa é bem maior para 2026. Essa situação prejudicou o fundraising, principalmente em private equity.
De que forma?
O investidor diz ao gestor: “Você está cheio de empresas no portfólio, então saia delas e aí eu aloco para um próximo ciclo”. A indústria funciona nesse ciclo de investimento, de devolução e captação de outro fundo. Com saídas tímidas, o fundraising fica mais difícil, e os investidores estão com apetite menor. Essa não é uma dinâmica apenas brasileira; o desafio é global. O principal driver para estimular mais volume alocado são as saídas.
Essa mesma dinâmica foi vista em venture capital?
A indústria ainda tem bastante dry powder, mas há dificuldades de captação, por conta do CDI e da falta de visibilidade sobre valuations. Isso afeta tanto private equity quanto venture capital. Nos últimos anos, vimos o varejo alocando bastante em venture capital, e esse público passa pela primeira experiência nesse tipo de investimento, aguardando retorno.
A recuperação depende da queda dos juros?
Ainda há desafio importante com a taxa de juros, que afasta o investidor brasileiro. O Brasil tem percentual muito baixo de alternativos no portfólio. O Reino Unido registra entre 2,3% e 2,4% do PIB; no Brasil, é de 0,1% a 0,2%. Além disso, temos uma indústria pequena. Há escassez de capital para bons negócios. Existe um oceano azul no País e bons gestores navegam sozinhos, com baixa competição. Isso torna a alocação seletiva e poucas transações ocorrem em leilões competitivos.
Como a eleição afeta o cenário?
Anos de eleição são sempre cautelosos pela falta de visibilidade sobre a direção do País. A indústria precisa de previsibilidade, pois são alocações de longo prazo. A não ser que seja uma grande barganha, o investidor prefere esperar. Uma vez que há visibilidade, seja no campo tributário/político ou na macroeconomia, com inflação controlada, PIB mais assertivo e queda de juros, os investidores começam a analisar alocações.
Diante de tudo isso, parece ser mais um ano positivo para distressed…
Os temas de special situations, distressed assets e turnaround têm grande avenida de crescimento, pois muitas companhias precisam desse capital. Os gestores estão se beneficiando e investidores com portfólios diversificados veem oportunidade. O distress tem ganhado força, com fundos exclusivos e dedicados captando com mais facilidade.
Além de distressed, alguma outra tese vem forte para 2026 em private equity?
Há apetite por teses de infraestrutura. O País tem muitas oportunidades e os preços dos ativos estão em bons níveis. É um bom momento para entrar. Dentro de infraestrutura, energia chama atenção. Há entendimento de que o Brasil precisará de energia nos próximos anos, com investimentos em data centers. Teses dedicadas a esse tipo de alocação enfrentam menos dificuldades de captação. Já fundos generalistas enfrentam mais obstáculos.
E venture capital? Alguma área se destacando mais?
O foco continua em serviços financeiros e fintechs. Mas há interesse em empresas que usam inteligência artificial como meio para soluções do dia a dia, incorporadas ao modelo de negócios. Também há operações em logtechs, agritechs e, não menos importante, em saúde, com soluções que melhorem produtividade e eficiência diante da crise do setor.

